domingo, 9 de abril de 2017

Minerva e o Vento do Leste




Ela tinha grandes olhos escuros e que pareciam olhar para todas as direções. Sua cabeça rodava como se pudesse estar, ao mesmo tempo, no passado e no futuro, ainda que o corpo estivesse bem fincado no presente.
Seu nome era Minerva. Era uma coruja. Alice surpreendeu-se com a imagem daquele ser curioso que parecia soletrar palavras em hebraico e como se por uma pessoa clamasse: - Arieh, kadima!
- Como sei que é hebraico? - Perguntou Alice para si mesma... Mas, essa era mais uma de suas perguntas sem resposta.
De repente, Minerva falou com a menina sem balbuciar palavra alguma. A mensagem era clara e transmitida por seus olhos saltantes:
- Você não é tola, Alice. Suas experiências não fazem você perder essa inocência que insiste em acompanhar seu jeito de surpreender o mundo! Como um ser etéreo, você vagueia pelos caminhos da vida como eu. Então, não queira mesmo ser compreendida. Não será. Muitas vezes também não compreenderá.
Alice, espantou-se. Afinal, não é todo dia que se conhece uma coruja tão letrada e de olhos enigmáticos e sábios como o tempo. Um ser tão surpreendente! Fala com os olhos e em várias línguas fazendo-se interpretar como se as almas dialogassem.
- Você é um raio de sol, menina. Continue assim! Não queira se perder em experiências que não acrescentarão nada ao seu caráter. Você já conhece o caminho. Siga-o.
Ora, mas de que caminho Minerva estaria falando? Alice, já tinha descoberto que nem todos os caminhos eram os caminhos da Rainha...Também sabia que as lagartas poderiam ensinar muito mais que as flores, pois a beleza, em muitas situações, eram ilusões aceitas pelos olhos de quem não conseguia mesmo enxergar a alma.
- Se me permite Senhora Coruja...Não tenho sido raio de sol em todos os meus caminhos. Por muitas vezes, tornei-me alguém carente de aprendizado. Aliás, já vivenciei dias em que meu forçado e efêmero bronzeado não pôde me enganar...Eu estava bronzeada por fora e pálida por dentro. É difícil mudar para se igualar às flores...Elas são muito exigentes e não saem do lugar. Logo, não puderam ensinar-me nunca o caminho. - Disse Alice com os olhos marejados de saudade daquilo que ainda não lhe veio apetecer a alma.
- Você é uma menina divinal e bem sabe que, por muito tempo, se puniu só para punir quem passou significativamente por seu caminho. Nesse tempo, não havia nada de nobre em sua conduta. Apenas choro e desilusão. - Disse a Coruja surpreendendo e remexendo o passado de Alice.
- Se ainda me permite Senhora Coruja...Na verdade, eu não sei amar ou o sei em demasiado. Recordar é como tentar restaurar um edifício antigo com suas corroídas pedras. Eu nunca o desejei como tempestade. Meu corpo não o queria assim. Mas, eu o amo. É como se ele tivesse voz e mãos em demasiado peso. Eu não era capaz de suportar. Contudo, eu sabia que o correto era viver como todos viviam. Não foi possível. Ainda hoje, eu sei, ele pensa que o contrário era o verdadeiro, mas, na verdade, o verdadeiro é o contrário! Ele não sabe dosar seus instintos. Quando conheci o Vento do Leste, ele era forte no momento errado e como brisa quando deveria me segurar. - Falou a menina como se Minerva conhecesse completamente sua vida, seus amores e amizades.
- Menina, não se engane com o Vento do Leste! Ele não conhece o toque da chuva e não tem a percepção de seus olhos castanhos. Mas, tenha certeza, ele tem aprendido todos esses anos. Amar é uma decisão, exatamente como tudo na vida! Quem descobre isso, é sábio no falar, no tocar e afasta o egoísmo da carne em prol do espírito.
- A senhora vai sumir como o Gato? - Perguntou docemente Alice.
- Sim. Mas, como o Vento do Leste, eu estarei sempre presente na sua vida. Aprenda: sinta o passado como uma brisa de aprendizado; agarre-se ao presente todos os dias como dádiva sua; e esteja firme, pois o futuro virá.
- Tenho medo. - Disse Alice.
- Eu sei. Mas, você também tem esperança. Você sempre tem um caminho a seguir. Kadima!
Nesse momento, Alice viu Minerva sumir aos poucos, exatamente como fez o Gato de Cheshire. Primeiro, a Coruja virou a cabeça completamente para trás, como se estivesse vendo seu próprio passado. Não demorou. Foi rápida. Derramou uma lágrima e pulou para o galho da frente. Voltou-se para Alice e, juntamente com a menina, sentiu um vento forte seguido de uma brisa gostosa, que parecia vir de um Vento há muito conhecido pela menina. Alice sorriu, embora tenha sentido frio. Eles ainda não tinham acertado mesmo suas diferenças. Não importava. Alice o amava. Ele era seu melhor amigo. Tão especial, mas tão especial, que a menina o guardava no coração como se irmão fosse. Ele era como pai. Ele era um grande amigo. Por fim, Minerva sumiu completamente.
Já era à hora nona. Alice, acordou com o barulho do Vento na janela e a imagem da Coruja em seus pensamentos. De volta à realidade, acariciou Dinah e sorriu para si mesma. Lembrou-se do nome Arieh e descobriu que significa 'aquele que está sempre pronto a se aventurar e que não vê graça numa vida sem desafios'.
Alice sabia que deveria se aventurar, ou seja, viver o que era imprescindível ser vivido. Seria a decisão por amar e seguir o caminho certo, sendo que é preciso saber aonde se deseja ir. Ela não gostava de surpresas, mas não poderia ignorá-las. Esse, com efeito, era o seu maior desafio.
Adiante!

Karoline Brasil