segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Menina-Libélula

Ela não era mais formosa como dantes.
Estava sempre cansada e sem ânimo para tomar decisões. Na verdade, Alice achou um lugar ótimo para fingir que estava se escondendo da vida. Ficou duas ou três vezes na casinha de seu gato, que, agora, tinha nome de artista.
Pablo não era um gato qualquer. Tinha as patas brancas e o corpo dourado como se fosse um Gato-Real [e mágico em entender as tristezas que caiam em formato de lágrimas do rosto de sua dona].
Alice tinha lido em seu dicionário a palavra "beatitude" e concluiu precisar muito disso. Significa "felicidade serena", o que parecia, na palidez de sua alma, um estado de plena contemplação do que era para ser bom, eterno e calmo. Pelo menos era isto que a menina almejava. Ora, ela gostaria de sair da montanha-russa de um "querer e não ter" e "ter e não querer".
Seus olhos marejados pelo tempo e pelas emoções estavam exaustos e inchados como duas bolas pesadas.
Um dia, mesmo com a insistência do Gato Pablo, que majestosamente reivindicava seu castelo, a menina Alice enfiou sua cabeça na fantástica toca do bichano e resolveu lá ficar tempo suficiente para dormir.
Um sonho profundo e estranho tomou conta de sua alma. Ela não era mais uma menina medrosa. Mas, uma linda libélula azulada, que, com coragem, enfrentava as intempéries da sua vida adulta, e, num dia de inverno esperado por todos, adormeceu para nunca mais acordar.
Curiosamente, a Libélula tinha um sorriso incomum para todas as libélulas azuis. O sôfrego Inseto-Menina viveu sua vida de forma abundante, em que pese com pouco tempo para cumprir seu destino. Entrementes, o cumpriu.
Uma voz de trovão, de repente, entrou pelos ouvidos da menina, cuja cabeça se escondia do mundo, para lhe dizer que Deus dá o tempo e as ferramentas certas para nosso destino.
Ao acordar do sonho, Alice saiu da improvisada toca. Já não era uma Libélula-Menina, mas uma Menina-Libélula. Suas asas azuis estavam lá. Pablo as podia ver. Eram somente eles dois e a coragem deixada na alma que, como num parto incomum, nascia para adulto ser.
Ao certo, era o bastante. Ela era capaz. Voltou a ser bonita.
Karoline Brasil

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Pelos olhos de Alice

                                 
Num dia estival, o rapaz comprou uma vela. Ela era rosa e única. Não representava nada para a menina de olhos castanhos. Decerto, ele queria iluminar sua vida, mas sempre cometia erros que não conseguia mensurar.
"Seu inepto"! Disse a menina em alto e bom tom e sem qualquer arrependimento, pois já não se importava mais com a empatia fingida da maioria. Aliás, ninguém percebia que ela, ao contrário dos homenzinhos grandes, era capaz de se colocar, com dolorosa maestria, no lugar de qualquer ser, fosse ele grande ou pequeno.
"Queria mesmo é que o sol declinasse e o já já deixasse de existir, a fim de que o bom futuro chegasse mesmo que sem sorrir!" Esbravejou a menina sem se importar se havia ou não luz em suas palavras.
Disse mais:
"A vida é urdimento de muitos fios entrelaçados. Não é possível, nos vários momentos, fazer medições da luz que passa entre eles."
"E, além do mais, caro e incômodo amigo, odeio velas. Trata-se de inútil objeto, que, sem querer-se fazer importar, representa a morte e a vida sem qualquer diferença constar".
"Já não tento mais fazer-me iluminar, visto que meus olhos, amigo, estão cansados e fracos diante de uma claridade pouco evidente que tantos, sem tê-la, querem mostrar".
Karoline Brasil

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

De volta à toca do Coelho

- Mary Ann! Mary Ann!

Assim dizia eufórico um personagem de um dos meus livros favoritos.

Quem sabe, ao certo, tudo que gostaríamos de encontrar fosse a toca do Coelho Branco...Pelo menos lá naquele país as ordens vêm da Rainha Vermelha apenas!

Comparações à parte, bem como inquietações literárias quanto à Rainha Branca e ao Rei da primeira, para quem é culto e conhece a história que de infantil pouco tem, sou forçada a afirmar que, neste país, existem poderes demais!

Das leis à execução, da farsa à correção e das decisões ou decretos a uma grande ilusão!

- Prenda-o! Preso estás tu! Não! Cumpra-se debaixo de vara! É uma ordem! Mas, ordem de quem? De uma Rainha? De um Presidente? Dos juízes? Dos Parlamentares? Oh! Por favor! Defina O R D E M! Agora!

Quando percebi, à mercê de despautérios sem medida, vi o Coelho Branco enlouquecido, pois há muito quis mudar-se de destino e aqui encontrou domicílio, o que muita paz lhe custou.

Já não tinha empatia. Logo constatou que neste país tupiniquim não poderia ater-se a mesuras que conhecia e praticava com eloquência invejável no mundo das maravilhas.

Ora, aqui não era mesmo maravilhoso.

Pobre Coelho! Aqui, não se tem o poder só em "Um", porquanto "Todos" os "ilustres" brasileiros resolveram tornar-se príncipes, reis e rainhas! Aliás, a democracia cá falada é algo estranho quanto ao seu funcionamento, constatou tardiamente o Coelho.

- Ainda que façam leis e outros o juridiquês, todos mandam e desmandam, conquanto nenhum a sua vez!

E, nesse talante, somente restou ao Coelho Branco ser sincero finalmente. Foi à Execução Federal entregar-se pelo vergonhoso crime de descumprir ordens reais, demonstrando o tépido animalzinho que não fora capaz de cumprir os mandos e desmandos que de todos os lados vinham.

Entre sins e nãos foi à forca! Pensou no Gato que ri e nos cachorros, que da bicharada, segundo o falar do Gato, são os únicos sãos [Como todos sabem, os cachorrinhos, ao contrário dos gatos e dos homens, rosnam quando bravos e balançam o rabo quando felizes].

Somos todos loucos! Incluiu-se então! Seu erro era ter achado que não era louco e precisava vir para este mundo de gente normal.

De normal nada achou. Somente os cães! Lá e aqui eles são mesmo de fantástica sobriedade.

Quiseram dar-lhe um presentinho...O Coelho recusou-se a aceitar, pois as doações eram onerosas, sem honradez até mesmo para um Coelho acostumado com mesuras e rígidos horários reais.

Não se pode confiar em suas palavras! O Coelho percebeu que, neste país, eles pintam as leis brancas de vermelho!

Preocupados com o amigo, o Chapeleiro Louco e o Gato saíram pela toca e, da Inglaterra, chegaram ao Brasil entristecidos e preocupados com o fim do pobre Coelho Branco. Este, feliz em reencontrar os amigos, disse-lhes:

- Ouçam! Ouçam! De nada valem minhas mesuras e fina educação nesta terra de democracia às avessas! Eles são todos príncipes e não têm vontade de Constituição! São vaidosos e suas crianças provavelmente de nada valerão! Saudade do porquinho-bebê da Duquesa...Aquilo sim era infante de notória educação!

- Acertada e inteligente era Alice! Nosso mundo é mesmo o país das maravilhas! Isso aqui é alvoroço! É medo o tempo todo e tarde para se mudar! Nunca, mas nunca mesmo, se chega à hora do chá!

- Mary Ann! Mary Ann!

O Coelho enlouqueceu de vez...

Na companhia e nos aplausos de seus amigos, o Coelho Branco foi para sua toca, mas antes de descer ao seu mundo, olhou para trás e disse em alto e bom tom:

- Sem Mary Ann não há conserto. O jeito é acreditar que o poder não pode ser medido com mesuras. Aqui, no alto, somos todos vassalos e senhores em tempo exíguo para se mudar. Rodamos em História. Estamos sempre a repeti-la e de nada adianta...ou atrasa mais ainda...adianta...atrasa...adianta...atrasa...

- É tarde!

- Para o chá? [Perguntou o Chapeleiro Louco]

- Não seu imbecil! Para esse tal de Brasil encontrar seu caminho...Tu não sabes que é preciso saber para aonde se deseja ir? [Acrescentou o Gato, que, no final, era apenas um irônico sorriso...]


Karoline Brasil